"Há mais tolerância mas ainda vamos enfrentar rejeições"

Andy Butler, dos Hercules and Love Affair, falou com o DN antes de atuar na Eletrónica do Rock in Rio-Lisboa, onde apresentou ontem as novas canções do álbum 'The Feast of the Broken Heart'.
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Foi há poucos dias que os Hercules and Love Affair, projeto liderado por Andy Butler, lançaram o seu terceiro álbum, The Feast of the Broken Heart, o qual foi, em parte, revelado ontem à noite na Eletrónica do Rock in Rio-Lisboa. O álbum é fortemente marcado pelas referências da era dourada da música house, que para Andy Butler também serviu como "um lugar seguro para quem fosse gay, negro ou reprimido de qualquer forma, um lugar seguro para que as pessoas pudessem ser tão extravagantes quanto quisessem", lembrou em conversa com o DN, antes da atuação.

O projeto Hercules and Love Affair iniciou-se há precisamente dez anos, mas a estreia deu-se em 2008, com o single Blind, para o qual Andy Butler recorreu à voz do inusitado Antony Hegarty (de Antony and the Johnsons), aliando-a a uma canção vincadamente assente na herança disco sound, género este indissociável do contexto queer, afro-americano e latino de Nova Iorque, onde nasceu. Também esta música foi, em tempos, um lugar seguro para todos aqueles que não seguissem a rigidez heteronormativa.

Durante mais de uma década Andy Butler só se interessou por este género. "Durante 13 anos só procurava discos que tivessem sido lançados antes de 1987. Comprei várias coleções de disco e acabei eu mesmo ficar com uma coleção gigante. A certa altura decidi colocar de parte alguns dos meus discos de música house e à medida que fui fazendo a triagem e a ouvi-los comecei a dançar em casa. Tenho experiências muito diretas com esta música e com a altura em que ela foi lançada. Com o disco não tive essas experiências, ainda que tenha passado muito tempo a aprender sobre essas que são as raízes da música de dança, mas não vivi essa era. Aí pensei que podia fazer um álbum baseado nessas memórias, voltar àquela festa no Warehouse ou àquela rave no meio da montanha. Tentei captar os sentimentos que vivi na altura." E assim surgiu o ímpeto para conceber The Feast of the Broken Heart.

O álbum traz também para cima da mesa canções que se debatem sobre feminismo, sexualidade e questões de género. "É o primeiro álbum em que existe uma espécie de agenda política nalgumas canções", confessou. "Normalmente evito ter uma mensagem muito literal. Mas desta vez estava a viver fora de Nova Iorque, em Viena, numa cultura completamente diferente. Em Viena não via os miúdos afro-americanos, dominicanos ou porto-riquenhos, não via tudo aquilo a que me tinha habituado a ver enquanto crescia. Tive, por isso, tempo para refletir sobre as minhas experiências em Nova Iorque. Tive a sorte de crescer num contexto muito diversificado, muito queer, focado na aceitação do outro, que é algo que está entranhado em mim, na forma como falo, como danço. Por isso quis articular tudo isto nalgumas canções. No fundo, só quando saí de Nova Iorque é que percebi o quanto é que esta cidade me moldou, além de que senti falta daquela cultura."

Se por um lado vivem-se momentos de maior aceitação e tolerância no mundo ocidental, ao mesmo tempo surgem vozes homofóbicas a contrastar com este contexto. "Hoje há mais tolerância e é algo que está a crescer, acho, mas ainda vamos enfrentar muitas rejeições e muita luta." Andy Butler recordou o caso da vitória de Conchita no último Festival Eurovisão da Canção. "Muitos países de leste, especialmente a Rússia, ficaram furiosos. A Conchita quebrou com a concepção do que é ou não aceitável, do que é ou não pop. Ela conseguiu agitar de uma forma fundamental a compreensão que as pessoas têm em relação a determinadas questões."

Tal como já tinha acontecido no primeiro álbum dos Hercules and Love Affair, neste The Feast of the Broken Heart Andy Butler voltou a recrutar uma voz que, até então, não tinha qualquer relação com a música de dança, nomeadamente o cantor John Grant, que interpreta o single I Try to Talk to You. "A primeira pessoa com quem me envolvi que vinha de um mundo completamente diferente foi o Antony. A primeira vez que o ouvi senti algo semelhante à primeira vez que ouvi a Sinéad O'Connor ou a Elizabeth Fraser dos Cocteau Twins. Tenho esse impulso, de recrutar vozes que já existem noutro universo para entrarem num contexto de música eletrónica, há muito tempo, é um desafio muito grande", explicou.

Andy Butler e os seus Hercules and Love Affair atuaram ontem na Eletrónica do Rock in Rio-Lisboa, espaço que esta noite receberá atuações de Ramboiage (22.00), Flow & Zeo (23.00), Appolonia (00.00), Benoit & Sergio (02.00) e Frivolous (03.00).

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